18 mar • O estatuto do portador de deficiência e as locadoras de veículos
Este artigo apresenta atualizações e orientações sobre a Lei 13.146/2015 (“Estatuto do Portador de Deficiência”) na indústria de locação de veículos. Trata-se de marco histórico na promoção dos direitos dos portadores de deficiência, mas a regulação aplicável às locadoras de veículos não foi feliz.
Lei 13.146, art. 52. As locadoras de veículos são obrigadas a oferecer 1 (um) veículo adaptado para uso de pessoa com deficiência, a cada conjunto de 20 (vinte) veículos de sua frota.
Parágrafo único. O veículo adaptado deverá ter, no mínimo, câmbio automático, direção hidráulica, vidros elétricos e comandos manuais de freio e de embreagem.
O principal problema da Lei 13.146/2015, art. 52, é sua impossibilidade de execução. Note-se o erro de redação da Lei 13.146/2015, art. 52, a qual exige simultaneamente a oferta de veículos com “câmbio automático” e “comando manual de embreagem”. Presumivelmente a lei desejaria exigir “câmbio automático” e “comando manual de freio e aceleração”, mas não estipulou tal obrigação. Além de não haver solução técnica de engenharia automotiva que permita a adaptação de comandos manuais de embreagem em veículo com câmbio automático, mesmo se houvesse ainda assim a regulação seria socialmente inútil, pois o veículo não teria controle de aceleração e, portanto, não sairia do lugar e se tornaria totalmente inapto para sua função básica de servir como meio de mobilidade pessoal.
Eis o dilema das locadoras de veículos: cumprir a letra da lei ou o espírito da lei?
A Ação Direta de Inconstitucionalidade
Para resolver o dilema das locadoras se ingressou no Supremo Tribunal Federal com a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no. 5452/DF (Relator Min. Dias Toffoli). A ADI 5452/DF foi movida pela CNT Confederação Nacional do Transporte a pedido e com apoio da FENALOC e da ABLA, bem como patrocínio técnico deste Autor.
A ADI 5452/DF apresenta que a Lei 13.146/2015, art. 52, viola a proteção à livre iniciativa e à livre concorrência, bem como falta razoabilidade no percentual de 5% de veículos disponíveis aos portadores de deficiência e, por estes motivos, é inconstitucional. A grande dificuldade na elaboração da ADI 5452/DF foi identificar e executar abordagem na qual as locadoras não aparentassem utilizar a livre concorrência como pretexto para se evadirem à aplicação de normas de promoção dos direitos dos portadores de deficiência, de defesa do consumidor, de proteção do meio ambiente ou equivalente.
Felizmente o Supremo Tribunal Federal demonstrou sensibilidade ao problema das locadoras de veículos. Ao apreciar a liminar o Min. Dias Toffoli, de modo inesperado, entendeu estar em discussão questão relevante e remeteu a ADI 5452/DF diretamente para o Plenário para que a ação tenha em breve decisão definitiva do STF. Não foi a tão desejada liminar de suspensão da Lei 13.146/2015, mas foi quase isso.
Como a locadora deve proceder
Feitas essas diversas considerações políticas e jurídicas se entende conveniente apresentar às locadoras de veículos algumas orientações simples e objetivas sobre como proceder em relação ao Estatuto do Portador de Deficiência.
A primeira orientação é no atendimento aos clientes. O atendimento ao Cliente portador de deficiência deve ser exatamente o mesmo daquele concedido aos demais Clientes. Ao serem questionados pelos clientes sobre a disponibilidade de veículos adaptados a orientação é responder “sim” caso possuam veículos com câmbio automático e direção hidráulica. Vários tipos de deficiência são atendidos por esses dois equipamentos conforme restrições médicas de aptidão física indicadas no campo “observações” no verso da CNH.
A segunda orientação é no atendimento à fiscalização do Estatuto do Portador de Deficiência. Recomenda-se orientar os funcionários a transmitir com cortesia e clareza à fiscalização o percentual de veículos da frota equipados com câmbio automático e/ou direção hidráulica. Esse percentual, enquanto a ADI 5452/DF não for julgada, deve abranger 5% da frota. Enfim, recomenda-se informar à fiscalização que a oferta de câmbio automático e direção hidráulica atendem amplo espectro de portadores de deficiência e necessidades especiais conforme restrições médicas D, F e G da Resolução 425/2012, Anexo XV, do CONTRAN. Essa Resolução 425/2012 é exatamente a mesma que impõe, para certas espécies de deficiência, a necessidade de comandos manuais de freio e aceleração.
Conclusão
O Estatuto do Portador de Deficiência trouxe novos desafios regulatórios às locadoras de veículos. Não se discute ser a questão da deficiência matéria de interesse social cuja relevância ultrapassa a simples condição clínica do indivíduo portador de necessidade especial e exige medidas de toda a sociedade para a inclusão plena e isonômica dos portadores de necessidades especiais na vida comunitária. Entretanto, não se pode admitir a imposição de exigências regulatórias completamente dissociadas da realidade e que apenas revelam o profundo desconhecimento do legislador sobre a indústria de locação de veículos.
As locadoras de veículos possuem liberdade de iniciativa e não pretendem exercer tal liberdade de modo socialmente irresponsável. Porém, a fixação de percentual arbitrário de 5% de veículos adaptados aos portadores de necessidades especiais (PNE) é exigência excessiva até mesmo em relação ao montante de condutores PNE em relação ao universo total de condutores. Estudos técnicos e estatísticos concluem que percentual MUITO INFERIOR de veículos adaptados – algo em torno de 0,25%! – atenderia com tranquilidade ao mercado potencial.